Naquele dia acordou cedo. Não era de seu costume, porém estava inquieto demais para continuar na cama. De hora em hora pesadelos horríveis o acometiam. E, por mais que rezasse ajoelhado ao lado da cama, nenhum Deus descia da cruz para ajudá-lo, nenhum sinal de que tudo terminaria bem lhe era dado.
Acordara para aquele
que poderia ser seu último dia. Dali a algumas horas passaria por uma delicada
cirurgia, e, o médico já havia lhe avisado das chances de não sair mais da sala
cirúrgica. Aquilo lhe acometera como um soco no peito. Sentado na cama, ele
repensou em toda a sua vida e se perguntou onde é que havia errado, o que
fizera pra chegar até ali.
Agora a revolta já havia
passado. Aquelas questões de porque o resto do mundo parecia tão perfeito e
feliz, enquanto ele se torturava com seus medos inseguranças, já não o
acometiam com tanta frequência quanto antes. Parecia ter se conformado, até. Se
conformado em ser um alien, diferente de todos, um aspirante a intelectual que
tinha mais inseguranças que uma criança de doze anos de idade.
Repensou tudo que
havia feito e chegou a conclusão de que talvez o problema estivesse enraizado
naquilo que não havia feito. Deixara
tanta coisa em sua vida passar. Privou-se de tantos prazeres, limitou-se, não
se permitiu.
Levantou-se e afastou
as cortinas para que pudesse abrir a janela, deixando que a brisa do
amanhecer lhe acariciasse o corpo. Teve vontade de se desfazer em fragmentos,
deixar-se ir com o vento para algum lugar, para lugar algum. As frustrações de
uma vida mal vivida, de amores não correspondidos, não permitiam que ele
continuasse a viver. Aquela doença talvez viesse somente para fazer aquilo que
ele não tinha coragem de fazer com as suas próprias mãos; acabar com tudo de
vez.
Era reconfortante,
sim, tudo acabado, sem mais sofrimentos, sem lágrimas, sem aquela sensação
esmagadora no peito, sem palavras formando nós na garganta. Sem nada. Só a
morte e tudo que pudesse vir acompanhado dela.
Não contou para ninguém
os reais motivos da afastação do trabalho e dos amigos, não queria que ninguém
se preocupasse, nem perdesse seu tempo pensando nele. Aquele era o momento do
ponto final.
Olhou para seus
livros na estante e se perguntou por que cargas d’água havia amontoado todas
aquelas histórias ali ao longo de sua vida. Agora lhe parecia algo tão sem
sentido, pra onde iria não poderia levar nada consigo. Foi tomado por uma
sensação de desapego, uma deliciosa sensação de que nada é seu, de deixar ir,
de não querer se apossar de modo doentio das coisas.
Naquele dia ele se
desapegou de tudo, inclusive da vida.
E antes de partir,
quando ainda estava lúcido, se perguntou por que não se desapegara de tudo
antes. As coisas poderiam ter sido tão mais fáceis.
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