Um
livro é uma inesgotável fonte de sabedoria, é como se neles conseguíssemos
encontrar todas as respostas para os infindáveis questionamentos existenciais
que surgem ao longo de nossas vidas.
Sempre tive muita, MUITA dificuldade
em verbalizar as coisas que sinto, e são justamente essas palavras não ditas
que muitas vezes comprimem meu peito e apertam a garganta. Então, especialmente
para mim, os livros – cada um que passa pelas minhas mãos – tem um gosto e uma
significação especial. Eu encontro um pouco de mim em cada um deles, e eles se
encontram dentro de mim – é uma relação extremamente recíproca. Um livro é como
um refúgio, um melhor amigo, a melhor de todas as companhias. Sei que essas
palavras podem soar clichês, mas somente para pessoas que não sabem o que é
isso, que não sabem o quão magnífica podem se tornar nossas relações com os
vários mundos que nos são apresentados nesses fascinantes amontoados de
páginas.
Feitas essas breves (e necessárias)
palavras introdutórias, vamos a primeira resenha do Delirium!
Autor: Gordon Reece
Editora: Intrínseca
Ano: 2011
Páginas: 238
Valor: 9,90 (no submarino)
Ratos
é uma leitura questionadora sobre a existência humana; Shelley (cuja história é
narrada sob sua perspectiva) intitula a si e a sua mãe como “ratas”, pois
viveram uma vida toda sendo coagidas, aceitando o que lhes era imposto sem questionamento
algum, sem nenhuma reação à determinada situação, simplesmente acatavam e
recolhiam-se – escondendo-se em sua toca.
O trecho inicial do livro foca
principalmente nas situações de bullying que Shelley sofre na escola, e na
separação de seus pais, bem como a mudança de mão e filha para o chalé
Madressilva, á 30 minutos da cidade. Sempre calada, Shelley aceita
condescendentemente as agressões das garotas
envolvidas restringindo-se somente a registrar os acontecimentos em seu
diário.
“Penso que quanto maior o trauma,
menos adequadas as palavras se tornam, até enfrentarmos o maior de todos os
testes, quando apenas o silêncio parece apropriado”
P.
27
Tal silêncio só é quebrado quando
Shelley sofre um sério atentado na escola, que além de marcas psicológicas
deixa-lhe cicatrizes no rosto. Neste momento pode-se pensar que as garotas envolvidas serão finalmente
punidas, que a mãe de Shelley irá tomar uma atitude, assim como a direção da
escola, porém nada disso acontece; quem acaba saindo da escola a poucos meses
dos testes finais é Shelley, pelo simples fato de a direção não querer ter o
nome da escola envolvido em um escândalo e pela mãe de Shelley não se impor
contra toda aquela situação; A garota acaba acreditando na impunidade, e até
prefere que as coisas sejam assim mesmo, prefere ter professores que lhe deem
aula em casa para que não precise sair, para que não precise abandonar o
aconchego da sua toca. E foi justamente essa reclusão da personagem principal,
bem como a maneira como ela coloca as palavras que fez com que me
identificasse:
(...) não importa o quanto somos próximos
de alguém, sempre existirão limites – fronteiras que simplesmente não somos
capazes de atravessar, questões que nos tocam tão profundamente que não podem
ser compartilhadas. Talvez, pensei, aquilo que não conseguimos compartilhar com os outros seja
o que realmente define o que somos.
P.33
Como dito no início da resenha, eu
tenho sim muita dificuldade em colocar em palavras exatamente aquilo que sinto o
que de certa forma eu atribuo aos mesmos motivos que Shelley apresenta no
livro; tanto o Bullying sofrido de modo calado na escola quanto os problemas
familiares. As emoções misturam-se e
atingem um limite em que as palavras não conseguem alcança-la, e como a
personagem narra em determinado momento, são tantas emoções reprimidas que uma
vez abertas as comportas era impossível saber como coloca-las em palavras, e
suas explosões acabam sendo incoerentes, e, aos olhos de outas pessoas, totalmente
fora de contexto quando na verdade não o são! Era exatamente nesses momentos
que eu sentia que não somente eu estava lendo o livro, mas ele também me lia,
ele dizia coisas que eu queria dizer!
Em certos trechos do livro é como se eu estivesse a observar um de meus autorretratos.
Mas eis que chegamos à parte em que
estória muda completamente de rumo; é a madrugada do aniversário de 16 anos de
Shelley e por volta das três da manhã a garota acorda com o costumeiro barulho do
quarto degrau da escadaria de sua casa, em seguida vê a luz do corredor ser
acendida, ouve a porta do quarto da sua mãe ser aberta e ela gritando. O gato
entrou na toca dos ratos. E é exatamente aqui que aos meus olhos a narração de
Reece torna-se irresistível, com uma fluidez e espontaneidade que fazem com que
você não consiga parar de ler até ser vencido pelo cansaço. Desta vez, as
oprimidas é que se tornam as agressoras e acabam se enredando numa trama que
parece não ter saída até que o autor nos apresenta um final que questiona os
limites entre o certo e o errado, abrindo nossos olhos para a questão de que o
conceito de ambos não está ligado somente aos princípios que cada um de nós
mantém, mas principalmente à condição em que você se encontra, seja do lado
mais forte ou do lado mais fraco.
Com uma narradora que ora perturba, choca,
causa empatia, a estória tem esse poder de nos envolver, e também de
caracterizar essa “anestesia” pela qual muitas pessoas parecem estar passando;
Era como se eu houvesse passado por
tanta coisa que fora drenada de emoções, e, no lugar delas, a resignação caíra
como um manto de neve, deixando-me anestesiada, protegendo-me da dor que estava
por vir. Imaginei se as pessoas prestes a serem executadas sentiam essa mesma
calma (...).
p.228
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